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quarta-feira, 10 de junho de 2009

A Casa 171

Era uma rua comprida, cheia de casas tipo colonial, cada uma das casinhas com flores na janela e tinha de toda cor. Na janela lá de casa, que era bem no final da rua, minha mãe adorava colocar umas margaridas, mas eu nunca gostei muito de margaridas, achava uma florzinha sem graça, me dava a sensação que elas eram uma multidão, quando olhava pra elas me sentia como se estivesse no meio do trânsito engarrafado e depois todas eram idênticas, parecia que não tinham personalidade.

Eu gostava mesmo era de passar em frente a casa da Dona Lúcia, lá no início da rua, cada dia ela colocava uma flor diferente, aí pela manhã quando eu saia para ir ao colégio eu ia caminhando pela rua e pensando que flor haveria de estar na janela dela naquela manhã e quando chegava em frente a casa dela, era sempre uma surpresa.

Eu tinha alguns amiguinhos lá na rua, umas garotas e uns molequinhos. As garotas só sabiam brigar, implicar uma com a outra, e os moleques de lá eram muito chatos, aí tinha dias que eu ficava cansada de todos eles e nem saia pra brincar e com isso fui ficando cada vez mais dentro de casa.

Um dia minha mãe chegou da rua e disse pra meu pai: Passei ali em frente à casa 171, aquela que está vazia e estão pintando, parece que vai mudar alguém pra lá.

Corri na janela, a 171 era do outro lado da rua, quase em frente a minha casa, realmente, estavam pintando, que boa notícia, algum estranho ia mudar pra lá e eu ficava pensando se seria alguém interessante, se eu ia gostar, se ele ia gostar de mim também. Desse dia em diante não tive mais sossego, toda vez que eu passava lá em frente ficava observando como estava o andamento da pintura. Certa manhã me enchi de coragem quando saí para ir ao colégio, parei na porta e perguntei para um dos pintores?

— Ô moço, o Sr. conhece quem vai mudar pra essa casa?

Ele olhou pra mim, sorriu e disse: — conheço sim, é um casal.

— E eles têm filhos?

— Tem, um menino.

Ah.... era tudo que eu queria, um menino, além de eu estar cansada daquela turminha da rua, o que eu gostava mesmo era de conversar com meninos, eles eram na maioria das vezes bobos, mas eu não sei porque, havia uma identificação melhor entre nós, não que eu fosse boba também , mas é que eu tinha a esperteza suficiente pra entender a bobeira deles. Minha mãe dizia que eu tinha alma de menino, que entendia eles, que as meninas eram muito fresquinhas pra meu gosto, e sabe que ela tava certa? Só anos depois é que eu fui entender bem isso.

Daquele dia em diante então eu passei a vigiar a tal casa constantemente pra ver quando a pintura acabava e finalmente duas semanas depois ela acabou, aí passei a vigiá-la pra ver quando a família chegava com sua mudança.

Numa manhã de sexta-feira eu estava de férias e ainda na cama quando ouvi meu pai chegando da padaria e dizendo pra minha mãe: — Querida, o pessoal da casa 171 tá chegando, já conversei até com eles, muito simpáticos.

Nossa, eu dei um pulo da cama, escovei os dentes, mudei a roupa e gritei: — Mãeeeeeee, vou lá fora brincar!

Ela não entendeu nada e saiu feito louca atrás de mim falando, falando... e eu não ouvia nada, me parece que ela dizia algo do tipo... tá maluca? vem tomar café primeiro!

E eu lá queria café, eu queria era conhecer o tal menino.

Cheguei lá fora meio sem graça, tinha uns coleguinhas meus na rua, me aproximei deles pra disfarçar. Estava um entra e sai na casa. Reparei um monte de livros dentro de uma caixa, tinha O Pequeno Príncipe, Os meninos da Rua Paulo, O Meu Pé de Laranja Lima e outros, todos eu já havia lido e achei interessante, o menino devia gostar também de ler, já tínhamos algo em comum então, que bom!

Estava perdida nesses pensamentos quando de repente o menino saiu de dentro da casa. A turminha foi até ele e eu fui junto, nos apresentamos: — Prazer... Soninha. E ele sorriu pra todos nós meio tímido.

Conversamos um pouco e fiquei sabendo que ele gostava de jogar bola, escrever, ler, gostava de música, de rock especialmente, gostava de flores, de sol, detestava cinema, gostava de desenhos animados e por isso se amarrava no Cartoon Network.

Em alguns momentos achei ele meio pedante, mas como eu tinha uma paciência de jó com meninos, dei um desconto, se fosse menina eu já tava longe.

No dia seguinte , como em todas as casas da rua, já haviam flores na janela da casa dele. Colocaram tulipas amarelas e eu achei engraçado alguém gostar de tulipas e ainda por cima amarelas.

Mas a vida na minha rua foi transcorrendo normalmente, eu e ele sempre nos encontrávamos e sempre conversávamos muito, foi virando mesmo um vício. Nunca pensei que conversar com alguém pudesse virar vício, Eu chegava da escola e ele já estava lá no portão me esperando. Eu não tinha tempo pra nada e gostava de não ter tempo pra nada e só ter tempo pra ele.

Quantas vezes entrei correndo em casa do colégio, minha mãe preparou meu prato ,fui para o portão e sentada na escada com ele no colo, almocei e conversei com ele. Era o melhor almoço do mundo. Ele me dizia pra ir comer lá dentro, que me esperaria, mas eu não podia perder tempo, cada minuto com ele era precioso.

Fomos ficando de um jeito, que já não conversávamos com mais ninguém, um terceiro na nossa conversa podia atrapalhar, e o nosso papo era bom demais pra ser dividido com alguém.

Todo dia pela manhã, quando eu acordava, eu abria a cortina do meu quarto pra ver se a dele já estava aberta e mesmo que naquele momento a gente não pudesse se falar, dávamos pelo menos um tchau.

Mas não foi tudo tão perfeito, algumas vezes nós brigamos... e brigamos feio, mas depois ficamos de bem porque não tinha briga que nos afastasse. Nós nunca conseguíamos ficar com raiva um do outro por mais de meia hora.

Me lembro de um passeio que fizemos. Num sábado de sol ele bateu na minha casa bem cedinho e me convidou pra ir passear numa praça que tinha lá perto da nossa casa.

Era um lugar bonito, gramado, cheio de gente passeando, uma música gostosa tocando vinda de um conjuntinho daqueles regionais. Foi muito legal o passeio, a gente se divertiu demais, rolamos na grama, rimos, dançamos, cantamos, eu até caí dentro de um buraco na distração, mas ele me ajudou a sair de lá.

Na volta pra casa voltamos por um caminho diferente, escondidos dos nossos pais é claro, era um caminho mais perigoso e eles tinham nos prevenido que não voltássemos por ali, mas teimosos que éramos resolvemos viver essa aventura.

Vimos um poço fundo, escuro, tenebroso e eu brincando disse a ele: — Vou pular!!!!

Ele sorriu pra mim e respondeu: — Se você pular, eu pulo.

Claro que eu não pulei, mas eu sabia, eu tinha a certeza, que se eu pulasse ele pularia também.

Mas aí passou muito tempo e uma certa noite, véspera do meu aniversário, choveu, relampejou e por isso eu nem consegui dormir direito e no dia seguinte claro que dormi até mais tarde e quando acordei, acordei assustada, um aperto no coração. Abri a cortina do meu quarto e espiei pra casa dele.

Não tinham mais flores na janela, a porta completamente escancarada, lá dentro eu não via mais nada.... dei um salto da cama, corri na chuva descalça entrei na casa... nenhum móvel, nada, ninguém....

Ele partiu sem me dar nenhuma explicação, sem se despedir de mim.

Nunca entendi aquilo, nunca aceitei o que ele fez comigo, e nunca consegui esquecer tudo de bom que a gente viveu.

Muitos anos se passaram, eu cresci, moro bem longe daquela rua hoje, mas muitas vezes quando me sinto só, pego meu carro e passo por lá, paro na frente da casa 171 e fico pensando como um dia eu fui feliz.

Hoje eu não sei mais quem vive naquela casa, mas vejo sempre umas flores murchas na janela, não devem regá-las.

Dona Lucia ainda mora lá na mesma casa no início da rua, tá velhinha coitada, mas a sua janela continua sempre com mil flores coloridas... lindas.... variadas... e ela continua a cuidar delas como ninguém.

Ah... Dona Lucia é que descobriu direitinho o segredo da vida.

© Silvana Duboc

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