Frase do dia
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terça-feira, 16 de agosto de 2011

Se eu pudesse

Acordei hoje pensando que, se eu pudesse, mudava minha vida toda; não que ela esteja ruim, mas só para ver que ela poderia ser diferente.
Me desfaria de muitas coisas: da minha casa e de quase todas as roupas. Afinal, quem precisa de mais de dois pares de sapato, dois jeans, quatro camisetas e dois suéteres, sobretudo quando está mudando de vida?

Se eu tivesse jóias, enterrava todas elas na areia da praia para que um dia alguém enfiasse a mão na areia, brincando, e tivesse a felicidade de encontrar um colar de brilhantes.
Seria lindo, não? Das garrafas de champanhe guardadas cuidadosamente na horizontal, daria para abrir mão, sem nenhum remorso; champanhe, além de engordar, não passa de um espumante metido a alguma coisa e nem barato dá, de tão fraquinho que é.

Dos vinhos, mais fácil ainda. É um tal problema ter vinhos em casa, abrir a garrafa e descobrir que viraram vinagre, que se acaba chegando à conclusão de que nada melhor do que uma boa vodca, com a qual sempre se pode contar. E as amizades? Aliás, as amizades, não: as relações. Ah, se tivesse coragem rasgava o caderno de telefones e fazia outro, só com o nome das pessoas que estão guardadas dentro do coração. Aliás, para essas nem precisaria de agenda.

Se pudesse, seria vegetariana, passaria as noites em claro e teria muito amor por todos os bichos e pelas crianças. Mas como não gosto de bichos (só de gatos) e não tenho nenhuma paciência com crianças, a não ser as minhas, vou ter que atravessar a vida levando essa pesadíssima cruz; afinal, ficou combinado que de certas coisas não se pode não gostar, e se não gostar, não se pode dizer.

Se pudesse, me transformaria numa pessoa sem passado e sem futuro; iria para um lugar esquisito onde não entenderia a língua do povo, ninguém entenderia a minha e ninguém conseguiria me fazer sofrer, pois a capacidade de sofrer é um bem pessoal e intransferível. Seríamos todos, assumidamente, estranhos, como somos no edifício em que moramos, no local de trabalho, dentro da nossa própria família. Ou você pensa que as pessoas se conhecem só porque se telefonam e jantam juntas?

Se eu pudesse, acordaria hoje de madrugada e sairia descalça, só com um casaco em cima da pele, e iria molhar os pés na água do mar, sozinha. E depois ia tomar café num botequim, em pé, como fazem os homens.

Se eu pudesse, faria uma linda fogueira com meus casacos de pele para saber como vivem os que não têm, nunca tiveram nem nunca vão ter nenhum. E aproveitando o embalo, cortaria os fios do telefone, jogaria o celular na tela da televisão e o computador pela janela.

Se eu pudesse, rasparia a cabeça, fumaria dois cigarros ao mesmo tempo e tomaria uma vodca dupla, sem gelo, num copo de geléia. E pegaria uma tesourinha para picar os talões de cheques, cortar os cartões de crédito, carteira de identidade, o CPF, e o passaporte, sem pensar um só instante nas conseqüências, e sem um pingo de medo do futuro. E jogaria no lixo meus lençóis, meus travesseiros de pluma, meu edredom, e engoliria minhas pestanas postiças, só para aprender que a vida não é isso.

Se eu pudesse, esqueceria do meu nome, do meu passado e da minha história, e iria ser ninguém. Ninguém. Pois é, tem dias que a gente acorda assim; mas passa.

© Danuza Leão

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A outra janela

A menina debruçada na janela trazia nos olhos grossas lágrimas e o peito oprimido pelo sentimento de dor causado pela morte de seu cão de estimação. Com pesar observava atenta o jardineiro a enterrar o corpo do amigo de tantas brincadeiras. A cada pá de terra jogada sobre o animal, sentia como se sua felicidade estivesse sendo soterrada também.

O avô que observava a neta, aproximou-se envolveu-a em um abraço e falou-lhe com serenidade:

- Triste a cena, não é verdade?

A netinha ficou ainda mais triste e as lágrimas rolaram em abundância. No entanto, o avô que desejava confortá-la chamou-lhe a atenção para outra realidade. Tomou-lhe pela mão e a conduziu para uma janela opostamente localizada na ampla sala. Abriu as cortinas e permitiu-lhe que visse o jardim florido a sua frente e lhe perguntou carinhosamente: Está vendo aquele pé de rosas amarelas bem ali a frente? Lembra que você me ajudou a plantá-lo? Foi em um dia de sol como hoje que nós dois o plantamos. Era apenas um pequeno galho cheio de espinhos e hoje veja como está lindo, carregado de flores perfumadas e botões como promessa de novas rosas.

A menina enxugou as lágrimas que ainda teimavam em permanecer em suas faces e abriu um largo sorriso mostrando as abelhas que pousavam sobre as flores e as borboletas que faziam festa entre umas e outras das tantas rosas de variados matizes que enfeitavam o jardim.

O avô, satisfeito por tê-la ajudado a superar o momento de dor falou-lhe com afeto: - Veja, minha filha. A vida nos oferece sempre várias janelas.

Quando a paisagem de uma delas nos causa tristeza sem que possamos alterar o quadro, voltamo-nos para outra e certamente nos deparamos com uma paisagem diferente.

Tantos são os momentos de nossa existência, tantas as oportunidades de aprendizado que nos visitam no dia-a-dia que não vale a pena sofrer diante de quadros que não podemos alterar. São experiências valiosas da vida, das quais devemos tirar lições oportunas sem nos deixar tragar pelo desespero e revolta que só infelicitam e denotam a falta de confiança em Deus.

A nossa visão do mundo é muito limitada. Mas Deus tem sempre objetivos nobres e uma proposta de felicidade para nos aguardar após cada dificuldade superada.

Se hoje você está a observar um quadro desolador, lembre-se de que existem tantas outras janelas, com paisagens repletas de promessas de melhores dias. Não se permita contemplar a janela da dor. Aproveite a lição e siga em frente com ânimo e disposição.

Agindo assim, o gosto amargo do sofrimento logo cede lugar ao sabor agradável de viver e saber que Deus nos ampara em todos os momentos da nossa vida.

- Autor Desconhecido

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

É triste dizer Adeus

É triste dizer adeus, mas às vezes é necessário. Não podemos prender a nós definitivamente as pessoas que amamos para suprir nossa necessidade de afeto. O amor que ama, aprende a libertar.

Procuramos ganhar tempo para tudo na vida. Mas a vida, quando chega no próprio limite, despede-se e é esse último adeus que é difícil de compreender e, mais ainda, aceitar.

Possuímos um conceito errado do amor. Amar seria, no seu total significado, colocar a felicidade do outro acima de tudo, mas na realidade é a nossa felicidade que levamos em consideração. Queremos os que amamos perto de nós porque isso nos completa, nos deixa bem e seguros. E aceitar que nos deixem é a mais difícil de todas as coisas.

Não dizemos sempre que queremos partir antes de todos os que amamos? Isso é para evitar nosso próprio sofrimento, nossa própria desolação.

É o amor na sua forma egoísta.

Aceitar um adeus definitivo é uma luta. Se as perdas acontecem cedo demais ou de forma inesperada, o sentimento de desamparo é muito maior e a dor mais prolongada. É o incompreensível casando-se com o inaceitável e o tudo rasgando a alma. Essas dores poderão se acalmar, mas nunca se apagarão.

Mas quando a vida chega ao final depois de primaveras e primaveras e outonos e mais outonos, nada mais justo que o repouso e aceitar a partida é uma forma de dizer ao outro que o amamos, apesar da falta que vai fazer.

Não podemos prender as pessoas a nós para ter a oportunidade de dizer tudo o que queremos ou fazer tudo o que podemos por elas. De qualquer forma, depois que se forem, sempre nos perguntaremos se não poderíamos ter dito ou feito algo mais. Mas essas questões são inúteis.

O amor que ama integralmente não quer ver o outro sofrer e ele abre mão dos próprios sentimentos para que o destino se cumpra, para que a vida siga seu curso.

As dores do adeus são as mais profundas de todas. Mas elas também amenizam-se com o tempo e um dia, sem culpa, voltamos a sorrir, voltamos a abrir a janela e descobrimos novamente o arco-íris da vida.

Depois da tempestade descobrimos um dia novo e o sol brilha de maneira diferente. E talvez seja assim que aprendemos a dar valor à vida, aos que nos cercam; aprendemos a viver de forma a não ter arrependimentos depois e aproveitar ainda mais cada segundo vivido em companhia daqueles que nosso coração ama.

© Letícia Thompson

quarta-feira, 27 de julho de 2011

A Ponte

Toda corrente de água desliza entre duas margens.
Margens que detêm e ordenam.
Que a impedem de invadir os campos.
Que lhe traçam um caminho.
Duas margens que permitem a essas águas formar um todo
e realizar sua tarefa:
“regar as planícies através das quais desliza.”
E as margens ficam distantes uma da outra…
Elas, porém, podem unir-se, aproximar-se, fundir-se quase,
quando sobre as águas se estende uma ponte.
Olhando a ponte sente-se a tarefa imensa
e ao mesmo tempo agradável, executada por ela.
Como um abraço amigo que aproxima duas separações.
Como um diálogo silencioso faz conversarem duas solidões.
Como a mão estendida fraterniza dois estranhos.
Se a ponte pudesse sentir, poderíamos, sem dúvida, qualificá-la de feliz.
Feliz por ser capaz de tornar o outro feliz.
E nunca se colhe felicidade maior do que quando
se semeia a felicidade.
A ponte tem, para cada um de nós, um profundo
e significativo simbolismo.
É a lição perene, silenciosa e rica, no dia-a-dia,
da sua missão de ligar e aproximar,
de encurtar distâncias, de separar abismos.
Diante de uma ponte nos ocorrem reflexões
que alguém escreveu:
“Em êxtase contemplativo olho a ponte, admiro a ponte,
escuto a linguagem da ponte…
…Sou forte, terrivelmente forte.
Resisto a tudo e permaneço sempre estática,
mas perseverante em meu posto de serviço.
O segredo da minha força?
De minha perseverança?
De minha grandeza?
Nasci para unir!
Vivo para unir!
Sirvo para unir!
Como gostaria de ser também uma ponte!
Para unir a terra aos céus!
Unir os desunidos…
Unir os desencontrados…
Unir os corações!!!
© Hugo Di Baggio

terça-feira, 19 de julho de 2011

A menina das maçãs


Por Herman Rosenblat *
Agosto de 1942 - Piotrkow, Polônia.


Naquela manhã o céu estava sombrio, enquanto esperávamos ansiosamente. Poucas horas antes todos os homens, mulheres e crianças do gueto judeu de Piotrkow foram arrancados de suas casas e arrebanhados na praça do gueto - para remoção coletiva, segundo os rumores que se espalhou.

Meu pai havia falecido recentemente de tifo, que se alastrara através do gueto abarrotado. Meu maior medo era separarem nossa família.

“O que quer que aconteça,” murmurou Isidore, meu irmão mais velho. “Não lhes diga a sua idade verdadeira; diga que tem dezesseis anos”.

Apesar de magro em virtude da falta de alimentos eu era bem mais alto do que outros meninos de 11 anos que conhecia; talvez poderia ser confundido e assim, ser considerado valioso como um trabalhador.

Um homem da SS se aproximou com passos firmes, com botas estalando nas pedras grosseiras do piso. Olhou-me de cima a baixo e perguntou minha idade. “Dezesseis”, eu disse. Ele mandou-me ir à esquerda, onde já estavam meus três irmãos e outros jovens saudáveis.


Herman
Ela jamais havia falado de forma tão aspera assim! Depois eu entendi porque ela havia falando daquela forma comigo: ela estava me protegendo. Ela nos amava tanto que, apenas naquela única vez, ela fingiu não fazê-lo. Foi a última vez que a vi.

Meus irmãos e eu fomos transportados de trem até a Alemanha. Semanas depois, confinado dentro de um vagão de gado que parava várias vezes por dia em virtude de incotáveis barreiras e paradas, chegamos ao campo de concentração de Buchenwald e fomos imediatamente conduzidos a uma barraca lotada. No dia seguinte recebemos uniformes e números de identificação.

“Não me chamem mais de Herman”, eu disse aos meus irmãos. “Chamem-me 94938?.

Colocaram-me para trabalhar no crematório do campo, carregando corpos em um elevador manual. Ao fim do primeiro dia de trabalho eu também já me sentia como morto; insensibilizado por aquele horror eu me tornara simplesmente um número. Logo, meus irmãos e eu fomos mandados para Schlieben, um dos sub-campos de Buchenwald, perto de Berlim.

Em uma certa manhã pensei que ouvi a voz de minha mãe: “Filho” disse ela, suave mas claramente; “Vou mandar-te um anjo.” Então acordei, havia sido apenas um sonho! Um lindo sonho! Mas nesse lugar não poderia haver anjos. Havia apenas trabalho, fome, medo, dor e morte…

Dias depois, caminhando sozinho entre as barracas do campo, próximo a uma das cercas de arame farpado, onde os guardas não podiam enxergar facilmente, observei alguém do outro lado da cerca: uma pequena menina com suaves, quase luminosos cachinhos. Ela estava meio escondida atrás de uma bétula. Dei uma olhada em volta para certificar-me de que ninguém me via, e a chamei baixinho, em alemão.

“Você tem algo para comer?” Mas ela não entendeu. Aproximei-me mais da cerca e sempre olhando para os lados repeti a pergunta em Polonês. Eu estava magro e raquítico, com farrapos envolvendo meus pés, mas a menina parecia não ter medo e se aproximou. Em seus olhos eu vi vida. Ela pegou uma maçã do seu casaco de lã e a jogou sobre a cerca. Agarrei a fruta e, assim que comecei a fugir, ouvi-a dizer baixinho, “Virei vê-lo amanhã”!

Daquela dia em diante, com precauções sempre renovadas, sempre que podia voltava ao mesmo local da cerca, na mesma hora. Ela estava sempre lá, com algo de comer para me dar - um pedaço de pão ou, melhor ainda, uma maçã. Em todos aqueles momentos jamais ousávamos falar ou demorarmos. Sermos pegos significaria morte para nós dois. Não sabia nada sobre ela, apenas que era uma menina de fazenda entendia Polonês. Qual era o seu nome? Porque ela arriscava sua vida por mim?” Boa parte de minhas poucas esperanças em sobreviver estava naquele pequeno suprimento de alimentos que aquela menina, do outro lado, me trazia.

Aproximadamente sete meses depois, eu e meus irmãos fomos abarrotados em um vagão de carvão e enviados para o campo de Theresiensatdt, na Tchecoeslováquia. “Não volte”, eu disse para a menina naquele dia. “Estamos partindo”. Voltei-me em direção às barracas sem olhar para trás, com medo de ser apanhado. Nem mesmo disse adeus a pequena menina, cujo nome eu nunca aprendi. A menina das maçãs.

Permanecemos em Theresienstadt por três meses. A guerra estava diminuindo e as forças aliadas se aproximando, muito embora meu destino parecia estar selado: estava agendado para morrer na câmara de gás às 10 horas da manhã do dia 10 de maio de 1945. Soube disso através de outro prisioneiro que limpava os escritórios do campo e sempre que possível lia ordens do camando afixados em alguns quadros. Assim, por muitas vezes ficavamos sabendo o que iria ocorrer nos dias seguintes. Quando soube disso, não chorei, não tinha mais lágrimas para chorar. Não tinha mais medo da morte; na verdade, algumas vezes a desejava… Mesmo assim, nos três crepúsculos silenciosos das noites que antecederam o dia marcado, tentei me preparar para minha morte.

Por tantas vezes a morte pareceu pronta para me reclamar, mas de alguma forma eu sobrevivi. Agora, tudo estava acabado. Pensei nos meus pais. Ao menos, pensei, estaríamos reunindos novamente.

No entanto, pouco antes das 8:00 horas do dia em que estava marcado para morrer, ocorreu uma comoção no campo. Ouvi explosões, tiros, gritos… Olhei pela porta da barraca onde estava e vi pessoas correndo em todas as direções através do campo. Juntei-me aos meus irmãos e perguntei-lhe o que estava ocorrendo, mas não sabia de nada. Minutos depois um prisioneiro entra no barraco onde estávamos e grita: “Os russos estão aqui, os alemães estão mortos ou fugiram, os portãos do campo estão abertos!” Saímos e vimos todos correndo para for a do campo, então corremos também sem sabermos para onde íamos.

Surpreendentemente, eu e meus irmãos sobrevivemos. Não tenho certeza como, mas sabia que aquela menina das maçãs tinha sido uma das razões da minha sobrevivência.

No local onde o mal parecia triunfar, a bondade de uma pessoa gerou-me esperanças e acabou contrinuíndo para salvar a minha vida.

Minha mãe havia prometido enviar-me um anjo, e o anjo apareceu…

Com a ajuda e piedade de tantos que encontrei pelos caminhos que percorri depois da libertação do campo, meses depois consegui chegar à Inglaterra, onde fui socorrido pela Caridade Judaica: me alojaram em uma hospedaria com outros meninos que sobreviveram ao Holocausto e em uma escola onde, além do inglês e disciplinas regulares estudavamos eletrônica. Cinco anos depois fui para os Estados Unidos, para onde meu irmão Sam já havia se mudado. Servi no Exército por dois anos durante a Guerra da Coréia e retornei a Nova Iorque.

Em agosto de 1957, com economias que fiz do salário que recebi no exército, abri uma lojinha de consertos eletrônicos. Estava começando a estabelecer-me, a verdadeiramente iniciar uma nova vida…

Um dia, meu amigo Sid, que conheci da Inglaterra, me telefonou.

“Tenho um encontro. Ela tem uma amiga polonesa. Vamos sair juntos?”

Um encontro às cegas? Não, isso não era para mim.

Mas Sid insistiu tanto que poucos dias depois fomos ao Bronx buscar a garota com quem Sid iria sair, e a amiga dela, a polonesa Roma.

Tenho que admitir, para um encontro às cegas, não foi tão ruim. Roma era enfermeira em um hospital do Bronx. Ela era gentil e esperta. Bonita, também, com cabelos castanhos cacheados e olhos verdes amendoados que faiscavam com vida.

Nós quatro nos dirigimos até Coney Island. Roma mostrou ser uma boa companhia com quem era fácil falar e gostoso de se estar junto.

Descobri que ela era igualmente cautelosa com encontros às cegas.

No início, estávamos apenas fazendo um favor aos nossos amigos. Demos um passeio na beira da praia, gozando a brisa salgada do Atlântico e depois jantamos perto da margem. Não poderia me lembrar de ter tido momentos melhores.

Voltamos ao carro do Sid, Roma e eu dividimos o assento traseiro.

Como judeus europeus que haviam sobrevivido à guerra, sabíamos que muita coisa foi deixada sem ser dita entre nós. Ela puxou o assunto, “Onde você estava”, perguntou delicadamente, “durante a guerra?”

“Nos campos de concentração”, disse. Terríveis memórias, irreparáveis perdas… Tentei esquecer, mas como esqueçer tantas dores?

“Minha família se escondeu em uma fazenda na Alemanha, próximo de Berlim”, disse-me ela. “Meu pai conhecia um padre, e ele nos deu papéis arianos.”

Imaginei como ela deve ter sofrido também, medo, uma constante companhia. Mesmo assim, aqui estávamos, ambos sobreviventes, em um mundo novo.

“Havia um campo perto da fazenda”, continuou Roma. “Eu via um menino lá e sempre que possível lhe jogava alguma comida, especialmente maçãs.”


Herman e Roma
“Ele era alto, magro e faminto. Devo tê-lo visto, quase diariamente, por uns seis meses.”

Meu coração estava aos pulos, descontrolado. Não podia acreditar. Isso não podia ser!!!

“Ele lhe disse, um dia, para você não voltar porque ele estava saindo de Schlieben?”.

Roma me olhou estupefata, de uma forma tão profunda que senti como se meus olhos tivessem sidos atravessados. “Sim!”.

“Era eu!”.

Estava para explodir com um misto de alegria e susto inundado meu coração. Não podia acreditar! Reencontrei a menina das maçãs, o meu anjo!

“Não vou deixar você partir”, disse-lhe em seguida. E na trazeira daquele carro, naquele encontro às cegas, pedi-a em casamento. Não queria esperar.

“Você está louco!”, disse ela. Mas convidou-me para conhecer seus pais no jantar do Shabbat da semana seguinte.

Havia tanto que eu ansiava descobrir sobre Roma, mas as coisas mais importantes eu sempre soube: sua firmeza, sua bondade. Por muitos meses, nas piores circunstâncias, ela veio até a cerca e me trouxe esperanças.

Semanas depois, com o consentimento da família, ela disse sim. Hoje, após quase 50 anos de casamento, dois filhos e três netos, ela continua sendo meu anjo e eu jamais a deixarei partir…

Se alguém viver quatrocentos anos, ele dificelmente passará pelas experiências que passei em sessenta…

* Herman Rosenblat, sobrevivente do holocausto, técnico eletrônico aposentado. A vida não permitiu que Herman celebrasse seu Bar Mitzvah (cerimônia religiosa onde os meninos judeus marcam sua entrada na maioridade; mas em fevereiro de 2006, então com 75 anos de idade, finalmente o fez…

Notas

1. Os nomes verdadeiros dos atores reais desta história de vida são Herman e Rona Rosenblat. Os nomes reais foram revelados posteriormente pelos próprios protagonistas, em reportagem (com fotos do casal) da revista Guideposts, na edição de agosto de 2006, para desmentir boatos que essa história não era verdadeira.

2. Depois da entrevista à revista Guideposts, o casal se recolheu e não concedeu mais entrevistas à imprensa.

3. O nome Herman Rosenblat conta no catálogo telefônico de Miami (edição 2007), o que faz supor de que pelo menos um deles ainda está vivo.

4. Esta história real foi adaptada para o cinema e filmada pela Atlantic Overseas Pictures em parceria com a EuroCo Productions, com o título Flower of the Fence, estrelado por Richard Dreyfuss com o nome de A CERCA.