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segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O não de Eloá

Criando um Monstro

O que pode criar um monstro? O que leva um rapaz de 22 anos a estragar a própria vida e a vida de outras duas jovens por... Nada?

Será que é índole? Talvez, a mídia? A influência da televisão? A situação social da violência? Traumas? Raiva contida? Deficiência social ou mental?
Permissividade da sociedade?
O que faz alguém achar que pode comprar armas de fogo, entrar na casa de uma família, fazer reféns, assustar e desalojar vizinhos, ocupar a polícia por mais de 100 horas e atirar em duas pessoas inocentes?

O rapaz deu a resposta: 'ela não quis falar comigo'. A garota disse não, não quero mais falar com você.
E o garoto, dizendo que ama, não aceitou um não. Seu desejo era mais importante.

Não quero ser mais um desses psicólogos de araque que infestam os programas vespertinos de televisão, que explicam tudo de maneira muito simplista e falam descontextualizadamente sobre a vida dos outros sem serem chamados.
Mas ontem, enquanto não conseguia dormir pensando nesse absurdo todo, pensei que o não da menina Eloá foi o único. Faltaram muitos outros nãos nessa história toda.

Faltou um pai e uma mãe dizerem que a filha de 12 anos NÃO podia namorar um rapaz de 19.
Faltou uma outra mãe dizer que NÃO iria sucumbir ao medo e ir lá tirar o filho do tal apartamento a puxões de orelha.
Faltou outros pais dizerem que NÃO iriam atender ao pedido de um policial maluco de deixar a filha voltar para o cativeiro de onde, com sorte, já tinha escapado com vida.
Faltou a polícia dizer NÃO ao próprio planejamento errôneo de mandar a garota de volta pra lá.
Faltou o governo dizer NÃO ao sensacionalismo da imprensa em torno do caso, que permitiu que o tal sequestrador converssasse e chorasse compulsivamente em todos os programas de TV que o procuraram.

Simples assim. NÃO. Pelo jeito, a única que disse não nessa história foi punida com uma bala na cabeça.

O mundo está carente de nãos.
Vejo que cada vez mais os pais e professores morrem de medo de dizer não às crianças.
Mulheres ainda têm medo de dizer não aos maridos ( e alguns maridos, temem dizer não às esposas ).
Pessoas têm medo de dizer não aos amigos.
Noras que não conseguem dizer não às sogras.
Chefes que não dizem não aos subordinados.
Gente que não consegue dizer não aos próprios desejos.
E assim são criados alguns monstros.
Talvez alguns não cheguem a sequestrar pessoas. Mas têm pequenos surtos quando escutam um não, seja do guarda de trânsito, do chefe, do professor, da namorada, do gerente do banco.

Essas pessoas acabam crendo que abusar é normal. E é legal.

Os pais dizem, 'não posso traumatizar meu filho'. E não é raro eu ver alguns tomando tapas de bebês com 1 ou 2 anos.
Outros gastam o que não têm em brinquedos todos os dias e festas de aniversário faraônicas para suas crias.
Sem falar nos adolescentes. Hoje em dia, é difícil ouvir alguém dizer:
Não, você não pode bater no seu amiguinho.
Não, você não vai assistir a uma novela feita para adultos.
Não, você não vai fumar maconha enquanto for contra a lei. Não, você não vai passar a madrugada na rua.
Não, você não vai dirigir sem carteira de habilitação.
Não, você não vai beber uma cervejinha enquanto não fizer 18 anos.
Não, essas pessoas não são companhias pra você.
Não, hoje você não vai ganhar brinquedo ou comer salgadinho e chocolate.
Não, aqui não é lugar para você ficar.
Não, você não vai faltar na escola sem estar doente.
Não, essa conversa não é pra você se meter.
Não, com isto você não vai brincar.
Não, hoje você está de castigo e não vai brincar no parque.

Crianças e adolescentes que crescem sem ouvir bons, justos e firmes NÃOS crescem sem saber que o mundo não é só deles. E aí, no primeiro não que a vida dá ( e a vida dá muitos ) surtam.

Usam drogas. Compram armas. Transam sem camisinha.
Batem em professores. Furam o pneu do carro do chefe. Chutam mendigos e prostitutas na rua. E daí por diante.

Não estou defendendo a volta da educação rígida e sem diálogo, pelo contrário.
Acredito piamente que crianças e adolescentes tratados com um amor real, sem culpa, tranquilo e livre, conseguem perfeitamente entender uma sanção do pai ou da mãe, um tapa, um castigo, um não. Intuem que o amor dos adultos pelas crianças não é só prazer - é também responsabilidade. E quem ouve uns nãos de vez em quando também aprende a dizê-los quando é preciso.

Acaba aprendendo que é importante dizer não a algumas pessoas que tentam abusar de nós de diversas maneiras, com respeito e firmeza, mesmo que sejam pessoas que nos amem. O não protege, ensina e prepara.

Por mais que seja difícil, eu tento dizer não aos seres humanos que cruzam o meu caminho quando acredito que é hora - e tento respeitar também os nãos que recebo. Nem sempre consigo, mas tento. Acredito que é aí que está a verdadeira prova de amor. E é também aí que está a solução para a violência cada vez mais desmedida e absurda dos nossos dias.


® Karina Cabral

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Estamos com Fome de Amor

Uma vez Renato Russo disse com uma sabedoria ímpar: "Digam o que disserem, o mal do século é a solidão". Pretensiosamente digo que assino embaixo sem dúvida alguma. Parem pra notar, os sinais estão batendo em nossa cara todos os dias.

Baladas recheadas de garotas lindas, com roupas cada vez mais micros e transparentes, danças e poses em closes ginecológicos, chegam sozinhas. E saem sozinhas. Empresários, advogados, engenheiros que estudaram, trabalharam, alcançaram sucesso profissional e, sozinhos.

Tem mulher contratando homem para dançar com elas em bailes, os novíssimos "personal dance", incrível. E não é só sexo não, se fosse, era resolvido fácil, alguém duvida?

Estamos é com carência de passear de mãos dadas, dar e receber carinho sem necessariamente ter que depois mostrar performances dignas de um atleta olímpico, fazer um jantar pra quem você gosta e depois saber que vão "apenas" dormir abraçados, sabe, essas coisas simples que perdemos nessa marcha de uma evolução cega.

Pode fazer tudo, desde que não interrompa a carreira, a produção. Tornamos-nos máquinas e agora estamos desesperados por não saber como voltar a "sentir", só isso, algo tão simples que a cada dia fica tão distante de nós.

Quem duvida do que estou dizendo, dá uma olhada no site de relacionamentos Orkut, o número que comunidades como: "Quero um amor pra vida toda!", "Eu sou pra casar!" até a desesperançada "Nasci pra ser sozinho!".

Unindo milhares, ou melhor, milhões de solitários em meio a uma multidão de rostos cada vez mais estranhos, plásticos, quase etéreos e inacessíveis.

Vivemos cada vez mais tempo, retardamos o envelhecimento e estamos a cada dia mais belos e mais sozinhos. Sei que estou parecendo o solteirão infeliz, mas pelo contrário, pra chegar a escrever essas bobagens (mais que verdadeiras) é preciso encarar os fantasmas de frente e aceitar essa verdade de cara limpa. Todo mundo quer ter alguém ao seu lado, mas hoje em dia é feio, démodé, brega.

Alô gente! Felicidade, amor, todas essas emoções nos fazem parecer ridículos, abobalhados, e daí? Seja ridículo, não seja frustrado, "pague mico", saia gritando e falando bobagens, você vai descobrir mais cedo ou mais tarde que o tempo pra ser feliz é curto, e cada instante que vai embora não volta.

Mais (estou muito brega!), aquela pessoa que passou hoje por você na rua, talvez nunca mais volte a vê-la, quem sabe ali estivesse a oportunidade de um sorriso a dois.

Quem disse que ser adulto é ser ranzinza? Um ditado tibetano diz que se um problema é grande demais, não pense nele e se ele é pequeno demais, pra quê pensar nele. Dá pra ser um homem de negócios e tomar iogurte com o dedo ou uma advogada de sucesso que adora rir de si mesma por ser estabanada; o que realmente não dá é continuarmos achando que viver é out, que o vento não pode desmanchar o nosso cabelo ou que eu não posso me aventurar a dizer pra alguém: "vamos ter bons e maus momentos e uma hora ou outra, um dos dois ou quem sabe os dois, vão querer pular fora, mas se eu não pedir que fique comigo, tenho certeza de que vou me arrepender pelo resto da vida".

Antes idiota que infeliz!

® Arnaldo Jabor
Presente de Cleide

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Encontrei um Anjo

Dia desses eu estava sentado numa sala de espera aguardando a minha vez para cortar o cabelo, com o Toninho, da Super Quadra Tupã. Estava muito distraído, lendo uma daquelas revistas que sempre tem em sala de espera, quando adentrou uma menina, linda, magra, muito branquinha e aparentemente, de uns sete anos de idade. Ela usava um arco a lhe prender os cabelos finos e lisos que iam até os ombros, roupas que denunciavam a origem pobre, mas que também mostravam um cuidado materno especial, pois estavam muito limpas e cheirosas. Era uma criança impossível de não ser notada, sorriso aberto, carisma a flor da pele e trazia numa das mãos um cartão de loteria instantânea, dessas conhecidas como "raspinha". Já completamente cativado não me preocupei em disfarçar o meu encanto e fiquei ali torcendo para que ela me dirigisse a palavra. Era como se eu soubesse que algo especial estava para acontecer.

- O senhor compra pra ajudar? É dez real...
- Reais, disse eu para ver a reação dela.
- É mesmo. Minha mãe sempre me corrige: dez reais. Mas o senhor compra? A minha vontade era comprar o cartão, mas não queria acabar logo com a conversa e continuei:
- Depende... Pra ajudar o quê?
- É pra ajudar a gente lá em casa. Meu pai tá desempregado e a minha mãe tá muito doente. Eu tô vendendo essa raspinha aqui pra poder comprar leite pro meu irmãozinho.
Ele tem dois anos e meio. A essa altura eu já tinha certeza de que compraria o cartão. Não que me comovesse além do normal com essa história tão comum do nosso sofrido povo brasileiro. Era puro encantamento com aquela menina.
- Como é o seu nome?
- Amanda... Nossa! Como o senhor ficou vermelho!
- É que eu tive uma filha que se chamava Amanda... A última lembrança que eu tenho dela, ela era assim como você... Sabe? Em todo lugar que eu vou eu sempre encontro uma Amanda.
- Onde tá a sua filha agora?
- Ela morreu num acidente faz algum tempo. Talvez ela esteja "vendendo cartões" no céu pra ajudar lá em casa..
- O senhor ficou triste, né? Desculpa..
- Não, eu não estou triste. Mas o que é que a sua mãe tem?
- Eu não sei dizer não senhor. Mas o meu pai vive chorando escondido. Ele bem que tenta disfarçar. Eu também finjo que não noto, mas eu sei que ele tá chorando. Eu não gosto de ver meu pai chorando... O senhor vai comprar, não vai? Eu vou contar um segredo: este cartão aqui está premiado, sabia?
- É ? Onde você conseguiu este cartão? E como você sabe que ele está premiado?
- Foi um anjo que desceu lá do céu e me deu ele pra eu vender. Ele disse que é um cartão premiado.
- Um anjo??
- É ! Por quê? O senhor não acredita?
- Acredito sim. Mas se o anjo lhe deu o cartão e disse que é premiado, por que você o está vendendo? Por que você não raspa ele e fica com o prêmio? Assim você vai poder ajudar toda a sua família, a sua mãe...
- Mas eu não posso ficar com ele não senhor.
- Por que não? - O anjo me disse que era pra eu vender por dez real. - Reais! - É. Por dez reais. E que não era pra eu raspar ele senão eu estaria sendo gananciosa. Eu não sei o que quer dizer essa palavra "gananciosa", o senhor sabe?
- Eu também não sei não. Esse anjo fala muito difícil... Mas eu tenho certeza que você não é isso não... - Ele falou que eu tinha de dar a sorte pra alguém que eu encontrasse e que eu gostasse, e eu gostei do senhor. O senhor compra?
- Como você sabia que era um anjo de verdade?
- Ele tinha duas asas bem grandes e desceu voando lá do céu.
- Como era o nome dele?
- Ele não falou o nome dele não senhor.
- E você não perguntou?
- Se o senhor visse um anjo o senhor ia ficar fazendo pergunta? Eu fiquei foi mudinha.
- E por que esse anjo apareceu logo pra você?
- É que eu estava rezando pro menino Jesus, pedindo pro meu pai arranjar um emprego e pedindo pra Ele curar a minha mãe, então o anjo apareceu pra mim. Ele disse que se eu vendesse esse cartão que ele me deu, por dez real... - Reais! - É, reais... Se eu vendesse, Jesus já tinha autorizado ele a curar a minha mãe e a arranjar um emprego pro meu pai, mas, que se eu ficasse com o cartão só ia acontecer coisa ruim.
Então se eu comprar o cartão que o anjo deu pra você, só vai me acontecer coisa ruim?
- Não. O senhor não entendeu. Eu é que não posso ficar com o cartão. A pessoa que comprar ele, vai tá sendo boa e vai tá acreditando no anjo. Então, pra quem comprar, só vai acontecer coisa boa. O senhor vai receber o prêmio e não vai mais ser triste.
- Quem disse pra você que eu sou triste?
- O seus olhos e o seu jeito de falar. O senhor parece uma pessoa triste, sabia?
- Sabia... Tá bom. Eu compro o seu cartão. Deixando escapar um breve suspiro, Amanda agarrou os dez "real" e, num gesto que me deixou surpreso e muito feliz, me deu um beijo no rosto. Ela parou na minha frente e ficou olhando eu guardar o cartão no bolso, com um sorriso bobo nos meus lábios. Um tanto decepcionada ela perguntou:
- O senhor não vai raspar pra ver se está mesmo premiado?
- Não. Eu tenho certeza de que está.
- Mas se o senhor não raspar não vai poder receber o prêmio.
- Eu já recebi quando você entrou aqui.
- Eu não entendi o que o senhor quis dizer.
- Mas o seu anjo entendeu, minha filha. O seu anjo entendeu, meu anjo... Ela foi embora meio que desconfiada, olhou pra trás algumas vezes e eu nunca mais a vi. Sempre que volto ao Toninho, ou paro na super quadra para alguma coisa, corro os olhos pelas calçadas. Tenho certeza de que a verei um dia. Quero saber se sua mãe está melhor e se seu pai já "arranjou" um emprego. Quanto ao cartão, eu ainda não me atrevi a raspá-lo e creio que nunca o farei. Gosto de acreditar que sou o único homem no mundo que ganhou um cartão de loteria premiado, dado por um anjo e trazido por outro. Quanto ao prêmio, penso que não pode haver um mais valioso do que esta história toda.

(Esta crônica, foi escrita por Robson, de Londrina, que perdeu sua filha Amanda - 3 anos - no mar, durante as férias)

" Nunca fique triste numa despedida! Uma despedida é necessária para haver um reencontro. E encontrar-se depois de momentos e de vidas, é certo para os que são amigos."

- Richard Bach - Livro: Ilusões

Se vc chegou até aqui, com certeza seu anjo já se manifestou em sua vida. Podemos encontrá-lo em diversas formas, e não apenas em forma barroca. Os anjos são a pura extensão de DEUS, assim como VOCÊ!!!! um bom dia!!!

terça-feira, 28 de outubro de 2008

O Porteiro

Não havia no povoado pior ofício do que aquele: porteiro do clube. Mas, que outra coisa poderia fazer aquele homem? O fato é que nunca tinha aprendido a ler nem escrever, e não tinha nenhuma outra atividade ou ofício.
Um dia, entrou como gerente do lugar um jovem cheio de idéias, criativo e empreendedor, que decidiu modernizar o estabelecimento. Fez mudanças e chamou os funcionários para novas instruções. Ao porteiro, disse:

- A partir de hoje, o senhor, além de ficar na portaria, vai preparar um relatório semanal, onde registrará a quantidade de pessoas que entram e seus comentários e reclamações sobre os serviços.
- Eu adoraria fazer isso, senhor - balbuciou -, mas eu não ser ler nem escrever!

- Ah, quanto eu o sinto! Mas, se é assim, já não poderá seguir trabalhando aqui.
- Mas, senhor, não pode me despedir, eu trabalhei nisso a minha vida inteira, não sei fazer outra coisa.
- Olha, eu compreendo, mas não posso fazer nada pelo senhor. Vamos dar-lhe uma boa indenização e espero que encontre algo para fazer. Eu sinto muito.
Sem mais, deu meia-volta e foi embora.

O porteiro sentiu como se o mundo desmoronasse. Que fazer? Então lembrou que no clube, quando quebrava alguma cadeira ou mesa, ele de pronto a arrumava, com cuidado e com carinho. Pensou que esta poderia ser uma boa ocupação até conseguir um emprego. Mas, só contava com alguns pregos enferrujados e um alicate mal conservado. Porém, poderia usar o dinheiro da indenização para comprar uma caixa de ferramentas completa. Como o povoado não tinha casa de ferragens, deveria viajar dois dias em uma mula para ir ao povoado mais próximo realizar a compra. E assim o fez.

No seu regresso, um vizinho bateu à sua porta:
- Venho para perguntar se você tem um martelo para me emprestar.
- Sim, acabo de comprar um, mas eu preciso dele para trabalhar, já que fiquei sem emprego.
- Bem, mas eu o devolvo amanhã bem cedo.
- Se é assim, está bem.
Na manhã seguinte, como havia prometido, o vizinho bateu à porta e lhe disse:
- Olha, eu ainda preciso do martelo. Porque você não o vende para mim?
- Não, eu preciso dele para trabalhar. E, além do mais, a casa de ferragens mais próxima está a dois dias de viagem daqui.
- Façamos um trato - disse o vizinho. - Eu pagarei os dias de ida e volta mais o preço do martelo, já que você está sem trabalho no momento. Que lhe parece? Realmente, isso lhe daria trabalho por mais dois dias...

Ele aceitou. Voltou a montar sua mula e viajou. No seu regresso, outro vizinho o esperava na porta de sua casa.
- Olá, vizinho. Você vendeu um martelo a nosso amigo. Eu também necessito de algumas ferramentas e estou disposto a pagar-lhe seus dias de viagem e mais um pequeno lucro para que você as compre para mim, pois não disponho de tempo para viajar. Que lhe parece?
O ex-porteiro abriu sua caixa de ferramentas e seu vizinho escolheu um alicate, uma chave de fenda, um martelo e uma talhadeira. Pagou e foi embora. E nosso amigo guardou as palavras que escutara: "Não disponho de tempo para viajar". Se isto fosse certo, muita gente poderia necessitar que ele viajasse para trazer as ferramentas.

Na viagem seguinte, arriscou um pouco mais de dinheiro, trazendo mais ferramentas do que as que havia vendido. De fato, poderia economizar algum tempo em viagens.
A notícia começou a se espalhar pelo povoado e muitos, querendo economizar a viagem, faziam encomendas. Agora, como vendedor de ferramentas, uma vez por semana viajava e trazia o que precisavam. Com o tempo, alugou um galpão para estocar as ferramentas, e, alguns meses depois, comprou uma vitrine e um balcão, transformando o galpão na primeira loja de ferragens do povoado.

Todos estavam contentes e compravam dele. Já não viajava, os fabricantes é que lhe enviavam seus pedidos. E ele era um bom cliente. Com o tempo, as pessoas dos povoados vizinhos preferiam comprar na sua loja de ferragens do que gastar dias em viagens.
Então ele lembrou de um amigo que era torneiro e ferreiro e pensou que ele poderia fabricar as cabeças dos martelos. E logo - por que não? - as chaves de fenda, os alicates, as talhadeiras... E depois, os pregos e os parafusos.

Em poucos anos, o nosso amigo se transformou, com seu trabalho, em um rico e próspero fabricante de ferramentas.
Um dia, decidiu doar uma escola ao povoado. Nela, além de ler e escrever, as crianças aprenderiam algum ofício. No dia da sua inauguração, o prefeito entregou-lhe as chaves da cidade, abraçou-o e disse-lhe:
- É com grande orgulho e gratidão que pedimos conceder-nos a honra de colocar a sua assinatura na primeira página do Livro de Atas desta nova escola.
- A honra seria minha - disse o homem. - A coisa que mais me daria prazer seria assinar o Livro, mas eu não sei ler nem escrever, sou analfabeto.
- O senhor?! - disse o prefeito, sem acreditar. - O senhor construiu um império industrial sem saber ler nem escrever? Estou abismado! E o que teria sido do senhor se soubesse ler e escrever?

- Ah, isso eu posso responder - disse o homem com calma. - Se eu soubesse ler e escrever... ainda seria o porteiro do clube!

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Geralmente as mudanças são vistas como adversidades.
Mas, as adversidades podem ser bênçãos, porque as crises
estão cheias de oportunidades.

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Meus irmãos, tende por motivo de alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz força. (Tiago, 1:2-3)

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O que foi que o mendigo disse?

Levantou da cama e vestiu-se naquela manhã de domingo.
Sem nada para fazer, saiu de casa e andou sem rumo.
Até aquele dia, nunca tinha reparado como era penoso viver sem amor.
Depois de andar durante horas, sentou-se à sombra de uma árvore frondosa no banco de uma praça, de cabeça baixa.

Ao seu lado, sentou-se um homem que, pelo seu aspecto, pareceu-lhe um mendigo.
Quase se levantou para seguir o seu caminho, mas o sorriso do homem o reteve.
Aos poucos, se estabeleceu um diálogo e uma animada conversa que se estendeu por horas.
Finalmente, o marido se levantou do banco, deixando dinheiro na mão do mendigo.

Sua postura já estava diferente. Agora, com passo enérgico, voltou para casa, tomou banho, fez a barba e se vestiu com todo cuidado.
Saiu sem dar explicações e sua mulher, que já não o amava, se mostrou levemente curiosa com a sua nova atitude. Voltou à noite, bem tarde.

No dia seguinte, cumprimentou gentilmente sua mulher e foi trabalhar.
Na volta, vestiu um short, calçou tênis e fez uma longa caminhada noturna.
Dormiu com excelente disposição. O dia seguinte foi igual, talvez melhor.
Sua mulher, que não o amava, e seus filhos se surpreenderam.
Parecia ter perdido a tristeza.
Ganhara uma força e uma elegância que a família nunca antes tinha notado.

Continuou a ser gentil com a mulher, mas nunca mais lhe pediu desculpas ou explicações, nem exigiu que fizesse amor com ele.
Passaram-se semanas.
A atitude do marido continuava firme e a disposição otimista instalou-se de vez.
A mulher sentia-se cada vez mais intrigada com a mudança miraculosa do marido e teve mais simpatia por suas novas atitudes, sábias e moderadas.
Embora ela persistisse em não amá-lo, ele melhorava seu desempenho como pessoa e como pai.
Agora, os amigos o procuravam.
Era evidente que tinha se transformado num homem sábio.

Quanto a mim, sou um sujeito profundamente curioso, talvez por ser escritor e fui à mesma praça onde estivera o marido a fim de procurar o mendigo.
Pude reconhecê-lo imediatamente. Sem vacilar, sentei-me a seu lado.
Apresentei-me e perguntei o que ele tinha dito para o marido.

Sorrindo, o mendigo me respondeu: "Ah, lembro... Não dei grande conselho. Disse-lhe apenas que, com minha experiência de mendigo, aprendi que nunca se deve pedir dinheiro e, pelas mesmas razões, jamais se deve suplicar amor. Essas são duas coisas que sempre nos negam quando as pedimos".

E sorrindo, acrescentou: "O dinheiro, a gente ganha; o amor se conquista".

Não me pediu nada. Mesmo assim, agradecido, dei-lhe R$ 100,00.